Quaresma do surf
Tecnicamente, o carnaval é uma festa religiosa. Isso não quer dizer que o católico mais devoto deva correr atrás dos trio-elétricos em Salvador cheirando lança perfume, encher a cara em um baile no Scala ou agarrar uma mulata no desfile do Simpatia é Quase Amor. Digo que “tecnicamente” o carnaval é uma festa religiosa porque quarenta dias antes da semana santa todo cristão deveria entrar em uma fase de purificação e se abster dos prazeres carnais. É claro que logo depois que inventaram a quaresma, algum engraçadinho pensou: “se preciso ficar quarenta dias sem pecar, é bom descontar tudo no último dia que a sacanagem é permitida”. Esse dia é a terça-feira gorda, que, tecnicamente, é também o único feriado do carnaval.
Vou precisar entrar em uma quaresma de surf, mas involuntária. Planejava passar uma semana em Itaúna, em Saquarema. Aluguei um quarto em uma pousada frente ao point de Itaúna, e de quinta a sábado fiz três sessões por dia: acordava, surfava ao amanhecer, tomava café, surfava mais, almoçava, ficava de bobeira e completava com mais uma sessão no final da tarde. As ondas estavam pequenas, mas a experiência era boa. Em que outro lugar você compra parafina no supermercado, ou tem fotos de uma etapa do WCT disputada em frente à pousada onde você está hospedado?
Mas no domingo desloquei meu ombro durante a minha segunda sessão do dia, e ficarei longe das ondas por um mês ou mais. Entre no mar com a maré quase vazia e estava surfando uma esquerda de meio metro, mas perfeita, que se fechou na minha frente. Subi a prancha para dar uma batida e terminar a onda, mas a prancha entrou de borda na água quando voltei da batida e caí para a frente. Sem querer apoiei meu braço no chão, deslocando meu ombro e terminando prematuramente minha temporada em Saquarema. E pensar que justo na segunda-feira o mar iria subir mais, depois de três dias de merrecas...
Agora não posso fazer nada além de tocar a vida, fazer uma fisioterapia e voltar para o surf. Não vou desistir.
Tive, aliás, uma grande lição de vida em Saquarema. Um dos professores do MBA que fiz me disse que tinha uma casa em frente ao point, e quase todo final de semana pegava onda de caiaque. Reparei que ele mancava, e achava que ele tinha um problema na perna esquerda. No sábado eu o encontrei no point, e descobri que ele não o problema na sua perna era maior do que imaginava: ela tinha sido amputada acima do joelho. Mesmo assim, ele curtia a praia, e não reclamava da vida - como todo bom surfista, falava que as ondas estavam pequenas. Certamente, um exemplo a ser seguido.
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